Não há dúvida, amigos, vivemos tempos árduos, sombrios. Mas, também, tempo de esperança de transformações que nos reencaminhem aos princípios civilizatórios dos quais nos perdemos em alguma curva do tempo. Nosso lado e nossas "batalhas" na guerra em que nos envolveram hão de ser o lado e as batalhas contra a violência, contra a incivilidade, contra a deseducação e o egoísmo. Por isso, de quando em quando, algum refresco é necessário para haurir forças que nos permitam seguir adiante.
Em Santa Maria, certamente, nossas esperanças se reforçam e se reenergizam todo ano, a cada final de mês de abril, com o alívio e o refrigério nascidos da possibilidade de encontro e de abraço que nossa Feira do Livro nos oferece de forma escancarada na Praça Saldanha Marinho.
Nossa Feira do Livro, que começou sábado passado, dia 28, é bem isso, território próprio para afabilidades, para sorrisos desanuviados, para o reencontro de amigos e troca de abraços e carinhos. Que bom que a feira está outra vez na praça, assim, aberta a essas múltiplas possibilidades de nos fazermos civilizados e fraternos.
Perdi a conta das crônicas laudatórias à nossa Feira do Livro que, ao longo dos anos, escrevi. E as escrevi sempre movido pelo encantamento, com a paixão de quem ama as palavras transformadas em textos literários e estes, em livros. Escrevi-as com a emoção de quem viu um grupo de jovens acadêmicos do curso de Comunicação Social da UFSM principiar, lá no acinzentado início dos anos 70, 1973, para ser mais exato, com esforço e ousadia, a semeadura do sonho de levar à praça, pondo-os à disposição do público, bons livros com preços acessíveis. Sonho, aliás, já sonhado por outros jovens, em meados da década anterior, quando, foram realizadas as duas primeiras edições da Feira do Livro de Santa Maria.
Escrevi-as com os olhos fascinados de quem acompanhou a transformação da feira, vendo que aos primeiros sonhadores outros se foram associando e que o sonho, que era generoso, frutificou. Por isso, a cidade colhe os frutos daquele sonho sonhado em conjunto, feito de jovens inquietações e de esperanças de liberdade e de futuro.
E eu, a despeito dos calos que a passagem do tempo vai plantando em nossas almas, que já tive a honra de ser seu patrono, a cada outono, me emociono com uma nova edição da Feira, que cresce, como reiteradamente tenho afirmado, com os pés no chão, sem pirotecnias e com a certeza de que o passo do tamanho da perna é o que melhor se ajusta à segurança da caminhada. Caminhada que, no caso, tem sido profícua e sem os sobressaltos, que, muitas vezes, obrigam ao retrocesso.
Assim, nossa Feira do Livro, uma das mais antigas do Brasil e, pelo menos em espaço aberto, a segunda maior do Rio Grande do Sul, se espreguiça e se protege sob a fronde de um fícus imponente, na Praça Saldanha Marinho e, à noite, espia as estrelas que as luzes da cidade escondem dos olhos de homens, mulheres e crianças, que perdem a pressa e se fazem cativos da festa do livro na praça do povo. O que, convenhamos, num país iletrado, inculto, de pouca leitura, como o nosso, não é pouca coisa.